terça-feira, 22 de janeiro de 2008

A ausência do tempo

A delicadeza das questões que tenho levantado - ainda não foram muitas pois dou por mim a chegar a casa e a olhar para o branco brilhante atenuado do ecran olhar para as teclas premir algumas chegar-me para trás enrolar um cigarro (hábito recente, que surgiu ao mesmo tempo do mictar sentado, que não me traz orgulho mas sim ausência de pingas de mijo por todo o lado) e acabar por ir de dez em dez minutos verificar se a roupa já está seca mas parece-me sempre que ao invés apodrece numa humidade fria e empapada - poderá tornar-se absurda face à tecnologia de armazenamento a vácuo dos alimentos, segundo uma amiga minha.
Existem soluções deste género e não é só na tv-shop (o que será feito desta pérfida maneira de vender inutilidades disfarçadas de soluções revolucionárias para os problemas práticos da humanidade depois do desenvolvimento pujante da internet?) que as encontramos. É hoje possível armazenar um peito de pato acamado em beliche de queijo de cabra e ervas da beira baixa e comê-lo três semanas depois com a mesma frescura e a verdade é só essa. Isolamos o elemento tempo das coisas sem lhes tirarmos qualidades como um antigo flirt que conservamos no msn para o caso de se sentir fome.
E isto à custa de lhes tirarmos o ar, de os sufocarmos num canto asséptico (o tanas!) - sou só eu ou há mesmo algo de muito perverso em toda esta tentativa? Queremos mesmo fazer uma refeição com uma beringela que comprámos em 2003?

Bem, se estiver boa, talvez.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Comprei alhos há 9 meses

A experiência mais primordial que tive com alhos foi na faculdade quando um magricelas praxista de óculos vedados pela espessura das lentes, acne resquicial de uma adolescência celibatária e cabelo a condizer (masturbava-se por debaixo do fato de treino de costas para a porta com essencialmente pornografia e imagens da mãe do seu melhor amigo a fazer-lhe um broche), o mesmo é dizer reluzente e caspudo, como o meu, tenta obrigar-me a comer um dente de alho, inteiro, apenas por ser desagradável. Depois de lhe perguntar se foi assim que ele tinha conquistado a sua namorada (que estava lá ao lado, de pele amarelada pela chatice e filtros de cigarro armados em bonnie&clyde académicos), o rapaz assegurou-me de que afinal teria de comer dois dentes ao invés de um apenas, o castigo inicial. Perguntei-lhe (faço-me de parvo) porquê respondeu-me que era assim mesmo (a rapariga ria-se nervosamente, numa ausência de queixo intrigante). Perante a maçada de ter de os aturar, mastiguei aquelas pérolas baças e engoli (fiz também umas referências a buñuel). Nem é assim tão mau, comentei, e em silêncio mandei-o para a puta que o pariu. Soube mais tarde que o pobre diabo, já licenciado, fora trabalhar para o extremo do país para o pai da noiva amarelada mas que entretanto ela se tinha entregue às delícias doutras genitálias mais bronzeadas, o que criou um grande embaraço a toda a família e angústia profunda ao meu castigador.
Apercebi-me, ao longo da vida, que noutros sítios também abusam do alho. Por exemplo, o aclamado bife à cortador não passa duma bodeguice; já o bife à príncipe (do calhariz) sabe bem, mas é por ser grande como o caralho.
Mais tarde estava eu a comprá-los, numa loja que os vendia. Perguntei a uma funcionária de olhos tristes mãos inchadas quais eram os melhores e a sua roupa manchada deu-me a entender que me fosse tratar, mas proferiu (triste, sempre tristemente) que ela gostava de alhos grandes, por darem menos trabalho. Pensei que o pensamento prático da gente era inestimável e que já era altura de eu próprio adquirir um. O prazo de validade de um alho torna-se pois relevante na medida em que uma pessoa a viver sozinha (obviamente que eu preferia estar a foder do que a escrever este blog) não cozinha assim tanto quanto isso, embora até me dê gozo (do ponto de vista puramente químico) essa actividade e os alhos que se vendem são em quantidades familiares chegando a ter centenas de dentes.
A experiência que encetei foi muito simples: comprei 2 enchumaços de alhos e individualizei os dentes todos (176) de um deles, deixando os do outro pacote agrupados em cabeças que de vez em quando rachava para extrair um molar jeitoso. Os pratos que geralmente faço com alho são todos os pratos que faço excepto as sopas e tartes.
A conclusão deste estudo duplamente mudo é que aqueles que se mantêm dentro do frágil prepúcio duram mais tempo e os individualizados ficam com mau aspecto com relativa rapidez. Mas quanto tempo dura um alho então? Potencialmente para sempre, parece-me.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

A redundância do ovo

Desde os tempos em que mastigava as carcaças com ovo mexido enroladas num alumínio que levava para a praia, com alface, em que prensava o pão da carcaça borrachóide com os incisivos mal alinhados num acto sem grande prazer mas a minha mãe dizia que a proteína do ovo far-me-ia bem aos olhos e de facto só tenho 3 dioptrias de miopia, as prudentes indicações, Não deixes a sandes ao sol, ou , Come isso até 4ª feira,
desde esses tempos primordiais, dizia eu, que tenho respeito pelos ovos e gemadas (as claras em castelo, essas, aparentam ser sempre poéticas e inofensivas).
Vivemos de facto na sombra de determinados receios, o mais das vezes mal estudados. Como uma avó que não liga a televisão por ter medo que se estrague e passa uma velhice confrontada, de olhos de catarata, com o negro do ecran convexo.

Quanto tempo, afinal, duram os ovos e qual o melhor método de os conservar sãos?

Há vários métodos de avaliar a duração de um ovo, uns mais científicos que outros - o que me levanta dúvidas acerca da validade do viver cegamente através da ciência, isto é, sem espaço para a subjectividade, para a não-análise, enfim, o corporal não tortuoso - que são:
1) observar a data de validade da caixa dos ovos, caso se tenha conservado a mesma, por alguma razão de loucura metódica;
2) ao partir a casca do ovo, certificar-se de que a gema sai redonda, incólume, qual teta de silicone. Este método causa dificuldades acrescidas a quem tem unhas grandes, pois pode-se lesionar a gema durante o acto de rotura da casca, o que leva a confusões semânticas;
3) se o objectivo for cozer o ovo, dever-se-á avaliar se o mesmo boia durante a fervura ou se permanece afundado. Se se tratar de um ovo idoso, à partida apresentará gases no seu interior (butano e bufano, essencialmente) e então boiará (o mesmo se verifica nas pessoas se por acaso as mandasseis para o Tejo) . O melhor a fazer nessas situações, independentemente do dia da semana a que nos encontremos, é: não ingerir o ovo.

Porém, caso a fome seja negra, diria que até 3 meses após do final do prazo anunciado, o ovo é comestível. Nesse caso, no entanto, sugiro a utilização de um protector gástrico.

Como conservação, pelo sim pelo não, metam-nos no frigorífico. Para aqueles que carecem de espaço refrigerado, não os metam no frigorífico, é-me indiferente.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Mote

Este blog nasceu da minha experiência pessoal em viver sozinho. Se dantes a minha cabeça andava ocupada apenas com deambulações filosóficas acerca sobretudo do significado que a existência humana poderia ter, de repente tornou-se obcecada com detalhes do género "será que esta cebola ainda está boa?".
É certo que o passar dos meses aliviou este tormento mundano, porém por outro lado criou-se-me a necessidade de registar diversos prazos de validade das coisas para não cometer o mesmo erro duas vezes.
Partilho pois agora a valiosa informação que fui recolhendo ao longo do áspero tempo em que tenho vivido sozinho em Lisboa (e sugiro que façam o mesmo, enviando-me por email as vossas experiências).

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