sexta-feira, 10 de outubro de 2008

espargos ou senti nostalgia naquela manhã

O que mais me agradava nos meus passeios por lisboa era encontrar ruas novas para mim de cada vez que a percorria, novos edifícios, calçadas encarquilhadas, degraus vesgos vergados de solas. Acontecia-me com frequência encontrar, ao lado de ruas bastante famosas da minha percepção, outras desconhecidas, nunca as tinha visto e elas ali misteriosamente há uns duzentos anos, e as pessoas que as habitam, em silêncio de brisa, na escuridão das portas pequenas, vizinhas das outras maiores acorrentadas em ferrugem, degraus húmidos, folhas mortas. Uma estaca de metal que sublinhava a corrente do portão de um palacete na rua do teixeira era percorrida - se espreitássemos por entre as frinchas do ferro - por insectos pedestres que a tomaram como árvore, por exemplo.
Dou por mim emocionado na varanda de são pedro de alcântara perante o amplo esplendor desta cidade. Tento identificar as zonas: penha de frança, torel, lavra, graça, o castelo, mas ao esticar o pescoço mais à frente, sobre a minha direita, assusto-me com o reflexo do sol no tejo, (maldito rio de sol, terei dito) a sé em contra-luz e humedeceram-se-me os olhos, não sei se do inesperado brilho se doutra coisa qualquer (lembro-me de tudo com um certo pudor) enquanto turistas filmavam o ascensor da glória. Eu só conseguia pensar em como este rio nos persegue em cada esquina dobrada, todo o peso de uma nação que por ele corre, testemunha de um povo lamuriento. O rio ao longe como a morte que nos espreita, é isso que queria dizer. Tal como o cristo-redentor afaga os cariocas de cada vez que erguem o olhar, o tejo ancora-nos a alma de cada vez que o baixamos, o que me levanta dúvidas acerca de o poder abandonar por muito tempo.
Nesse dia não aproveitei os espargos verdes que tinha armazenado no frigorífico, na verdade não aguentam muito tempo sem serem cozinhados. Mas eis como o fiz em dias claros:
-parti o caule no sítio onde deve ser partido e para isso bastou dobrá-los até ao insuportável;
-aqueci azeite com sementes de piri-piri e, quando me lembrei, atirei os espargos;
-salpiquei com sal em movimentos indecisos;
-o lume encontrava-se baixo e esperei uns 8 minutos (e virando os espargos, memorizei rachas);
-servi com uns bofes de vinagre balsâmico e queijo parmesão em lascas.

Avaliei o resultado e concordei com o Dostoievski quando disse que o normal é apenas uma palavra que corresponde à incapacidade de observar a incontornável nuance.